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16/08/2012

The Dark Side, segundo a psicologia junguiana - confira trechos do livro com exclusividade





"The Dark Side of the Moon: a obra-prima do Pink Floyd segundo a psicologia junguiana”. O livro, escrito por F. Massao Yabushita, traz uma análise psicológica deste marco histórico do rock.

Uma visão instigante e aprofundada de um dos mais importantes discos de todos os tempos, o antológico "The Dark Side of the Moon", que há anos desperta o imaginário de milhões de pessoas ao redor do mundo.

Servindo-se de temas mitológicos de artistas como William Blake, ilustrado com textos de Artaud, Carlos Castaneda e Herman Hesse, o livro mostra "The Dark Side of the Moon" de uma forma nunca antes pensada, buscando desvelar o sentido do lado oculto da lua e seu significado no contexto da obra, enquanto expressão dos dramas e conflitos que afligem o homem contemporâneo.


O *conteúdo do material abaixo, foi uma pesquisa muito interessante. O livro é bastante competente, têm abordagem inteligente, engrandecedora, e considerando o nível dos meus conhecimentos, me foi uma verdadeira aula interpretativa... Somando-se às alusões e pensamentos aqui presentes dos gênios "Carl Gustav Jung " e "William Blake", que são acima de tudo por suas realizações, uma dádiva à raça humana, trata-se de um privilégio gratificante. 


  • Trechos do livro:


BREATHE 
Respiração 

Respire, inspire o ar

O início da vida e o fator espiritual 

O verso de abertura de Breathe remete ao início de uma canção homônima do mesmo autor, lançada alguns anos antes para a trilha sonora Music From the Body (1970), em parceria com o músico Ron Geesin. 

Naquela ocasião havia um tom de denúncia em relação às condições nocivas do ar, principalmente nos grandes centros (“os dedos de aranha da indústria alcançam o céu/sufocando a atmosfera”, Breathe-Music From the Body). Desse modo, levando-se em consideração sua formulação original, este verso denota o ambiente em que se encontra o assim chamado homem moderno, que parece não pressentir a ameaça ao seu redor.

Por ser o verso de abertura, alude também ao início de tudo, o nascimento, que neste contexto se dá na atmosfera nebulosa que permeia todo o disco. É o início do que ainda está por vir. 

Sob outra perspectiva,este verso representa não só uma condição indispensável à vida, ou seja, a respiração, mas também o elemento anímico que permite uma interpretação mais ampla da música. 

Nesse sentido, o ar que se respira é o próprio pneuma, o sopro vital que é também o espírito, pois o ar é um espírito (esta relação pode ser percebida na etimologia de ambas as palavras). 

Em termos psicológicos, o espírito é o fator psíquico que se manifesta como uma intenção superior do inconsciente, superioridade essa que não é produto de uma reflexão arbitrária ou racional, mas uma qualidade essencial inerente à sua manifestação, sempre sentida como algo maior e mais poderoso do que o ego. 

O espírito é como uma obra de arte que se impõe ao artista, cujo impulso criador é algo de impessoal ou mesmo sobre-humano, que se eleva muito acima do que é pessoal e mundano. Desse modo, não foi o homem que criou o espírito, ao contrário, é o espírito que torna o homem criativo, dando-lhe entusiasmo, força vital e inspiração. 

Os símbolos e enunciados religiosos são formulados por ele, cujo sopro também anima os sonhos e acende as chamas que alimentam o fogo das revoluções (a Revolução Francesa, por exemplo, foi considerada por Jung muito mais uma revolução dos espíritos do que uma revolução política ou social). 


Enfim, é o espírito que gera os conteúdos que emanam do inconsciente, quando este traz consigo o germe de um desenvolvimento futuro, como se fosse uma semente no fundo da terra ou uma criança no útero materno. 

Na mitologia, o inconsciente é representado pelo Hades, a terra dos mortos, onde estão aqueles que se encontram longe da claridade e da luz do dia (como o espírito representa o aspecto imaterial da vida, muitas vezes está associado às pessoas mortas, pois estas estão desligadas do seu corpo físico e da materialidade do mundo). 

Psicologicamente,o inconsciente é uma estrutura psíquica formada por conteúdos que a consciência desconhece, mas com os quais deve manter uma relação dinâmica e construtiva, pois é profundamente influenciada pelos seus efeitos. 

Possui, por assim dizer, um nível pessoal composto por vivências e lembranças reprimidas ou esquecidas pela consciência por censura ou ordem moral, ou que não alcançaram o limiar para atingi-la. 

Como esse nível é composto por elementos que dizem respeito à história de vida do indivíduo, ele foi designado inconsciente pessoal. É nele que está a sombra, o lado escuro da personalidade que oculta tudo aquilo que o indivíduo não aceita ou desconhece em si mesmo. 

Porém, o inconsciente não se restringe ao nível meramente pessoal. Muito mais amplo e profundo, ele abrange também um nível coletivo, um substrato comum chamado de inconsciente coletivo, “a formidável herança espiritual do desenvolvimento da humanidade que nasce de novo na estrutura cerebral de todo ser humano”. 


Isso significa que ao nascer todo indivíduo traz potencialmente consigo a herança psíquica da humanidade, contrariando a tese de que o homem nasce como uma tabula rasa. 

As sucessivas e contínuas experiências tipicamente humanas constituem essa herança, uma espécie de patrimônio da humanidade que pertence a cada um de nós. 

Esses conteúdos, ou formas de representação simbólica e vivências típicas, são os arquétipos, possibilidades herdadas de comportamento encontradas em seres humanos de todas as épocas e lugares. 

Por serem conteúdos que provêm do inconsciente coletivo, pertencem aos domínios espirituais da psique, que se manifestam não só nas mais elevadas produções humanas, como a religião e a arte, mas também em seus delírios e alucinações (curiosamente,os primeiros sonhos da infância podem trazer algum elemento espiritual que acompanhará a pessoa por toda a sua vida, como o sonho de Jung com a figura fálica, um deus subterrâneo identificado com Eros que o influenciou em seus estudos durante anos, conforme está relatado em suas memórias). 

Como o espírito pertence aos domínios do inconsciente, torna-se necessário buscar uma relação dinâmica e construtiva com ele, para isso é preciso compreender sua linguagem simbólica e manter-se aberto e receptivo ao mais importante dos arquétipos, o Self, ou Si-mesmo. 

O Self é o arquétipo da totalidade e unidade presente nas inúmeras representações que o homem faz da divindade, como a figura do velho sábio, Buda ou Cristo. Nos sonhos aparece frequentemente como um ser superior, sendo também comum a sua manifestação em forma de mandala, pedra preciosa, ou animais como pássaro e serpente. 

Outra descrição possível para o Self está na concepção de Deus feita por Hermes Trimegisto, que o definiu como um círculo cujo centro está em todo lugar, e cuja circunferência não está em lugar nenhum. Sendo assim, ele é a própria totalidade psíquica,o centro ordenador da vida, ou o Deus dentro de nós. 

Enfim, o Self é o elemento do espírito que proporciona ao indivíduo uma vida prenhe de significado, pois é simbolicamente sentido como um contato íntimo com Deus. Enquanto arquétipo da orientação e do sentido, ele mostra que“nenhum ego humano é suficientemente forte, sábio e bom para viver a vida apenas por suas próprias luzes”. 

Por tudo isso, respirar o ar, elemento do espírito associado ao Self, é também uma forma de designar o atman, aquilo que respira através de mim e de todos, como disse Jung, que também se referiu a ele como o ‘pneuma’ que respira através de tudo. 

Respirar o ar é então uma condição para que os domínios espirituais da psique, ou as “formas Sem Nome”, 

segundo expressão de William Blake, conduzam o indivíduo ao pleno desenvolvimento do seu ser, pois esse é o impulso natural da vida, desde que vivida de forma significativa e em consonância com o Self. 

Esse impulso para a plenitude se manifesta através dos sonhos e dos símbolos presentes na religião, mitologia e arte, e é, em última instância, uma manifestação do espírito, que tal qual o atman, o princípio vital, “confere sentido a vida humana, criando -lhe a possibilidade de se desenvolver ao máximo”. 

A música Breathe consiste, portanto, em uma sucessão de versos oriundos do Self, inicialmente representado pelo pneuma, a voz espiritual que ecoa dos recantos profundos do inconsciente em direção ao ego, com o intuito de orientar e favorecer a reflexão acerca das atitudes e decisões que o indivíduo vai tomando ao longo da vida.

Olhe em volta e escolha seu próprio chão

 

A alienação do ego: efeitos nocivos da sociedade moderna

Esta passagem, em um primeiro momento, traz um sentimento de segurança que permite ao indivíduo fazer suas escolhas sem se preocupar. Seria assim se ele estivesse sensível ao Self, também representado pela criança interior, o ser divino a quem Blake se referiu como tendo a força do despertar para a vida.



“Todos os mortos ouviram a voz da criança 
E começaram a despertar de seu sono; 
Todas as coisas ouviram a voz da criança 
E começaram a acordar para a vida”. 

Mas um olhar mais atento permite constatar que olhar em volta e escolher o próprio chão, também uma forma de “acordar para a vida”, corresponde à atitude de um ego ávido em se emancipar e fazer suas escolhas, principalmente se considerarmos que há momentos em que a escolha e o controle consciente da própria vontade são necessários para a autoafirmação do indivíduo, pois é preciso que ele esteja apto a tomar decisões e conferir determinação às suas ações. Essa é uma demanda do mundo adulto e uma característica da sociedade moderna, que atribui grande importância à vontade e ao poder da razão. 

Porém, quando há um desenvolvimento excessivamente unilateral da consciência, que privilegie somente os interesses do ego, pode ocorrer um desequilíbrio entre as exigências egoicas e as necessidades inconscientes, que via de regras e opõem aos desejos e valores adotados pela consciência. 

Se isso ocorre é porque a relação entre ego e Self está a tal ponto comprometida que o indivíduo deixa de perceber que “há valores mais altos que a vontade do eu aos quais precisamos nos submeter”. 

Diante dessa possibilidade é preciso abertura e receptividade às orientações do Self, que no início da música instou o indivíduo a respirar e inspirar o ar, uma forma simbólica de colocá-lo em contato com os elementos espirituais da psique, como aconteceu com Jung ao sonhar com o deus fálico, mostrando como essa relação pode se estender ao longo de toda uma vida (este fato, relatado em suas memórias, consta no capítulo sobre sua infância). 

Caso contrário, a perda de contato com esses elementos, o que já vem ocorrendo desde o verso anterior, onde algo importante foi deixado para trás, poderá levar o indivíduo a sucumbir à teia de ilusões que o faz crer na supremacia do seu ego, acarretando em uma vida estéril, carente de significado e marcada por sentimentos de poder e vazio existencial. 

Não vá se sentar, é hora de começar outro



A revolta dos deuses 

Se Apolo é o deus que confere sentido às experiências humanas, Sísifo é o personagem mitológico que melhor personifica uma vida sem sentido. 

Testemunha de um rapto perpetrado por Zeus, Sísifo, o mais sábio e astuto dos mortais, denunciou o ocorrido ao pai da jovem raptada, esperando com isso receber benefícios de seu interesse. 

Como vingança, Zeus ordenou que ele fosse levado por Tânatos, o deus da morte, que não conseguiu o seu intento, sendo ludibriado pelo astuto mortal que o aprisionou servindo -se de uma trapaça. 

Enquanto Tânatos esteve preso cessaram-se as mortes pelo mundo, o que provocou a irade Hades, o deus dos Infernos, que ordenou então que Sísifo fosse novamente levado ao mundo dos mortos. 

Desta vez, antes de morrer, Sísifo fez sua esposa jurar que não enterraria seu corpo. 

Ao chegar ao mundo dos mortos, convenceu Hades a permitir que voltasse à Terra para exigir que lhe prestassem um funeral digno, já que seu corpo não havia sido enterrado. O deus consentiu, porém, Sísifo não cumpriu o combinado, enganou mais uma vez os deuses, pois não retornou ao mundo inferior conforme havia prometido, voltando a desfrutar os prazeres do mundo por vários anos, até ser novamente levado para o Hades, onde recebeu sua punição por tamanho desprezo e ofensa aos deuses, passar o resto dos anos erguendo uma enorme pedra até o alto de um cume, para vê-la em seguida rolar morro abaixo, sendo obrigado a repetir este mesmo gesto, interminavelmente. 

Ao ignorar os mistérios inerentes à vida, como a morte, Sísifo traiu os deuses em favor de si próprio, ou seja, procurou satisfazer o seu ego menosprezando os poderes do inconsciente. 

Acabou condenado a um sofrimento eterno e sem sentido.


O mesmo ocorre com aquele que se põe a cavar buracos, esquecendo-se do sol, pois em ambos os casos está em curso uma empreitada interminável e destituída de propósito. 

Assim cavar um buraco, e em seguida começar outro,é cumprir o mesmo destino de Sísifo, cujo castigo lhe foi imposto pelos deuses por sua hybris, atitude “que supervaloriza os poderes racionais e manipulatórios do homem e nega o sagrado mistério inerente à vida e a natureza”. 

Ao enganar os deuses e fugir de tudo o que provém do fundo, do mundo inferior, Sísifo não só evitou a morte, que em termos psicológicos significa transformação, como agiu em função de sua consciência identificada com a superfície das coisas, buscando apenas satisfações mundanas. Nesse sentido ele representa as pessoas que se mantém a margem do inconsciente, e que apesar de toda perícia e inteligência, são destituídas de criatividade e da capacidade de transformação, e por isso estão fadadas ao malogro de uma vida estéril e repetitiva, onde o que lhes resta é rolar pedras, ou, como diz a música, cavar um buraco, terminar, e em seguida começar tudo de novo. 

TIME 
Tempo 

profecia-final-do-tempo1

Perambulando num pedaço de terra de sua cidade natal

O mito que descreve a formação da consciência a partir de sua matriz inconsciente é o mito do herói. 

Encontrado em povos e culturas de todas as épocas e lugares, o mito do herói possui importante significado psicológico, pois representa a conquistado eu como uma entidade psíquica consciente de si e dotada de subjetividade e vontade própria. 

Sua estrutura básica, composta pelas fases de separação, jornada e retorno, um movimento cíclico que implica na partida, realização e volta às origens, está contida nos rituais primitivos de iniciação, marcando a passagem da infância para a vida adulta. 

Desse modo, o mito do herói retrata também a necessidade de se buscar novas formas de organização psíquica e social, possibilitando ao indivíduo o aumento da sua capacidade de realização e compreensão de si mesmo. 

Concomitante a esse processo,que leva à diferenciação da consciência em relação ao inconsciente, é o sentimento de transitoriedade e finitude do ego diante da possibilidade e realidade da morte. 

Assim, através dessa diferenciação,que conduz o ego ao reconhecimento de si como o sujeito e centro da consciência, o tempo passa a ser sentido em todos os seus efeitos, fazendo com que o indivíduo deixe para trás o estado paradisíaco da infância, onde não há dúvidas nem pesar, para ocupar um lugar na vida compreendido entre o nascimento e a morte. 

Como mostram inúmeras lendas, sonhos e narrativas míticas ao redor do mundo,o mito refere-se a uma jornada a ser feita pelo herói, geralmente no momento em que algum tipo de ameaça paira sobre seu povo. Ele sai então em busca de uma solução para o problema, passa por inúmeras provações, e no final retorna trazendo a esperada salvação (simbolicamente o retorno do herói representa o seu renascimento, daí o fato de ser comum nos ritos de iniciação a prática de se atribuir ao neonato o status de uma nova pessoa). 

A primeira fase dessa jornada, chamada de separação, implica em algum tipo de afastamento ou rompimento em relação às origens, com as quais se está psicologicamente fundido. 

A primeira dessas origens, ou a origem primordial, é a figura materna, com quem a criança mantém uma relação primal, formando um todo psicológico onde predomina o estado inconsciente. 

Nesta fase do desenvolvimento o ego não se diferencia do mundo exterior, ou seja, o eu e o outro são sentidos como algo único e inseparável, como uma totalidade inconsciente. A vida ainda não é medida pelo tempo, mas regulada pelo instinto, que dispõe de seu próprio relógio biológico. 

Mais adiante o filho se identificará também com a figura paterna, o que significa que estará de tal modo ligado ao pai, que compartilhará com este o mesmo ambiente psíquico e emocional. 

Neste estágio, em que o eu ainda não está devidamente formado, as figuras parentais são a extensão psíquica do ego da criança, que ainda não tem plena consciência de si mesma. 

O mito do herói refere-se, portanto, à superação desse estado de indiferenciação, que inicialmente ocorre através das figuras parentais, mas que posteriormente se estende a outras formas de manifestação. 

Assim, outras identificações se sucederão, como a identificação com a família, cujo sobrenome molda a personalidade do indivíduo com a mesma força de um animal totem ao influenciar os costumes de sua tribo. 

O mesmo ocorre na identificação com o grupo social e em todas as situações onde o indivíduo é legitimado pelos padrões e normas que o tornam incapaz de sair do lugar comum. 

A ideia de aldeia, comunidade, ou mesmo pátria, também constitui essa rede de identificações, pois permite que seus habitantes compartilhem características em comum, conferindo-lhes um sentido de identidade e pertencimento . 

Isso tudo representa a cidade natal, o pedaço de terra citado na música Time,onde a vida parece estagnada e sem sentido. 
"E você corre e corre para alcançar o sol, mas ele está a indo embora no horizonte
Girando ao redor da terra para se levantar atrás de você outra vez"
Este verso confirma o quanto o indivíduo mudou em relação à forma de lidar com o tempo. 

Se antes ele se mostrava passivo, ou mesmo indiferente, agora se vê obrigado a apressar os passos, o que significa que o tempo deixou de ser abundante, como o tempo da infância,e que a vida não é mais algo a se perder de vista. É o sentimento de finitude do ego que leva a esse tipo de percepção. 

Além disso, os passos apressados representam uma característica do mundo moderno, como diz Jung: 

“E, de fato, podemos constatar que o mundo ocidental começa a caminhar num ritmo bem mais rápido, o ritmo americano, exatamente o contrário do quietismo e da resignação que não se coadunam com o mundo”.

Essa busca frenética também coincide com as demandas da vida adulta, organizada em função de jornadas de trabalho, horários, prazos e todo tipo de exigências relacionadas ao tempo. 

Isso tudo acontece à medida que o seu curso é percebido como um fluir sem volta, o que aumenta o desespero e a vontade de controlar os seus efeitos. 

Com o mundo moderno sendo regulado pelo tempo, dividido e cronometrado em intervalos cada vez menores, o homem passou a acreditar ter domínio sobre ele. 

Concomitante a essa percepção, que implica na ideia de limitação e transitoriedade, é a negação de um tempo que avança em direção à morte. Nesse sentido,alcançar o sol não é só perseguir algum tipo de objetivo elevado, relacionado ao competitivo mundo moderno, mas uma forma de não se sujeitar ao tempo, procurando assim evitar o sentimento de que os anos estão se passando. 

Aqui começa a se delinear a hybris da consciência, atitude semelhante à de Ícaro, que também tentou alcançar o sol para satisfazer um capricho de seu ego. 


É a hybris da consciência civilizada que “nos induz a acreditar que o tempo da nossa vida é mera ilusão que pode ser alterada a nosso bel prazer”. 

A construção de sofisticados mecanismos que permitem a mensuração do tempo de forma cada vez mais precisa, e o glamour em torno da juventude, o meio dia da vida, como diria Jung, sustentam essa atitude que coincide com o ápice da consciência. 

Esta passagem da música mostra que o indivíduo deixou o estado inconsciente, característico da infância, representado no início da música pelo dia monótono, onde as horas passavam de forma despercebida, em favor da racionalidade do mundo organizado e ordenado em torno da consciência, que acredita poder exercer seu controle sobre tudo, inclusive sobre o tempo. 

Criou-se assim a ilusão de que o tempo poderia ser submetido aos arbítrios do ego, de tal modo que o indivíduo, a exemplo do homem moderno, passou a acreditar que ele também pode alcançar o sol, o velho sonho alquimista do elixir da longa vida, ou, em outros termos, a quimera de Ícaro. 

Alcançar o sol é também a meta do herói, o motivo básico que o levou a deixar sua terra natal para seguir sua jornada. Esse objetivo não será cumprido em sua integralidade, ou seja, o sol não será alcançado como quer o indivíduo, pois não há a realização plena de si mesmo sem a consciência da própria finitude (a ideia de morte como algo inerente à consciência é retratada no mito do herói através do momento crítico da jornada, quando o herói passa por uma situação de perigo que o deixa muito perto de morrer, mostrando-lhe que, embora seja capaz de realizar inúmeras proezas, no fundo é um ser factível de morte). 

Com isso, a ideia de tempo como algo que atravessa o ser humano, empurrando-o para frente, em direção a um futuro onde a única certeza é a morte, vai tornando-se cada vez mais comum no decorrer da música. 

É o que mostra a imagem do sol se pondo no horizonte, com sua natureza fugidia, alheio à sucessão dos dias que arrasta o ego ao seu destino final, pois, como lembra Hermann Hesse em “O efêmero”: 


“Tudo morre, tudo gosta de morrer 
Só a mãe eterna permanece, 
Donde viemos, 
Seu dedo leve escreve 
Nosso nome ao vento”. 

Quanto ao sol que está indo embora, para ressurgir no dia seguinte sem se deixar alcançar, diz Jung: 

“Eternamente inacessível aos mortais, vaga [o sol] em torno da terra e faz a noite suceder ao dia, o inverno vir depois do verão, a morte depois da vida e renasce com novo esplendor, iluminando gerações”. 
"O sol permanece relativamente o mesmo, mas você está mais velho
Com o fôlego mais curto e a cada dia mais próximo da morte"
Esta passagem da música mostra que o sol não envelhece, ou seja, ele representa aquilo que não está sujeito ao tempo enquanto passado, presente e futuro, o tempo da consciência, efêmero e linear. 

Neste contexto, o sol representa o Self, a totalidade psíquica infinda e atemporal, a partir da qual o ego se desenvolve. 

Diferente do sol é a vida que nos aflige, comparada por Jung a um processo energético orientado para um fim. Este fim é o repouso, o estado inicial de inércia anterior a todo movimento. 

A morte, enquanto repouso,seria então o fim natural de um processo que chamamos de vida e que se inicia no nascimento. 

Assim: 

“Em confronto com a morte, a vida nos parece como um fluir constante, como a marcha de um relógio a que se deu corda e cuja parada final é automaticamente esperada”. 


Por isso a vida assume significados diferentes quando comparamos um jovem a lutar por seus objetivos e ideais,e o velho, ao ver que o fim de seus dias se aproxima, inexoravelmente. 

Esses significados diferentes se expressam na finalidade que certas fases da vida têm para o indivíduo. Em sua primeira metade ela é ascensão, como o sol elevando-se em direção ao zênite. Esta é sua meta. 

Mas seu impulso vital não cessa neste ponto, ou seja, da mesma forma que o sol não nasce para se manter no ponto mais alto do céu, a vida não deixa de ter uma meta quando se atinge a maturidade. 

Agora, ela desce montanha abaixo, com a mesma irresistibilidade com que subia antes da meia idade, porque a meta não está mais no cume, mas no vale, onde a subida começou. 

Esse é seu curso natural. 

Ocorre, porém, que esse curso pode ser bloqueado, e o que antes era ânsia pela vida torna-se medo da vida. É quando ficamos parados, agarrados a nossa infância, como se nada pudesse nos tirar do chão. Paramos os ponteiros do relógio, como disse Jung , imaginando que o tempo se deteve. 

A ideia de longevidade é um produto da civilização, pois é precisamente o homem civilizado que tem dificuldades em envelhecer, diferente do homem primitivo, que vive sua velhice intensamente,como se sempre fora velho, e que por isso envelhece sabiamente, de acordo com a natureza e seus instintos. 

Já o homem civilizado, para quem a velhice é sumamente indesejável e impopular, por ter se afastado da natureza e dos seus instintos, terá sua vida transposta para um período limitado de tempo, compreendido entre o nascimento e a morte. Desse modo, ele perde o sentimento de eternidade tão característica do primitivo, mas que falta inteiramente em nossos dias. 

Resta-lhe então acreditar que eternos são os seus valores e conquistas, e por isso agarra-se a eles, na tentativa de manter-se fielmente sobre o topo, para ali poder desfrutá-los de acordo com sua conveniência. 

Mas ao agir assim, deixa de ver que o sol, depois de espalhar sua luz e calor por todo o mundo, recolhe seus raios no entardecer para iluminar a si próprio. Do mesmo modo, o indivíduo, depois de atingir o ápice da vida adulta, deve se voltar ao seu interior e se debruçar sobre si mesmo , naquilo que pode ser chamado de uma verdadeira inversão de valores. 

Afinal, não podemos viver a tarde de nossa vida seguindo o modelo da manhã, porque aquilo que era muito quando cedo, será pouco ao cair da tarde, e o que era verdadeiro ao amanhecer, será falso quando anoitecer. 

É sempre melhor e mais saudável seguir em frente, acreditando que a vida é orientada para um fim, ainda que este fim seja a morte, do que marchar para trás, e contra o tempo. 


Todo esse movimento é análogo ao curso do sol, que antes de nascer está mergulhado em trevas, como o estado inconsciente que antecede a consciência, para depois fazer o seu longo percurso no céu, elevando-se até o zênite, e então descer, em direção ao poente. Ao mergulhar novamente na noite, iluminando o desconhecido, o sol retorna ao seu ocaso, assim como o herói reencontra suas origens, desde que este processo não seja estancado pela insegurança e medo do porvir (o movimento feito pelo sol, desde a aurora até o poente, é uma analogia à jornada do herói pela similaridade da trajetória feita por ambos). 

MONEY 
Dinheiro 


O complexo de poder

Um dos méritos de Money foi tecer uma bem-humorada crítica ao cinismo e avidez pouco dissimulada com que o ser humano lida com o dinheiro.
“Divida-o [dinheiro] de modo justo, mas não mexa na minha fatia Dinheiro, assim dizem
É a raiz de todo mal hoje em dia
Mas se você pedir um aumento, não se surpreenda Se não receber nenhum”
O complexo de poder, enquanto impulso e ação destinados a satisfazer o ego, sujeitando tudo à sua vontade, permite uma melhor compreensão sobre as motivações que levam o homem a querer acumular e gastar tanto dinheiro, afinal: 
“Dinheiro é um sucesso” 
O termo complexo, hoje incorporado ao vocabulário comum, foi desenvolvido por Jung a partir das suas experiências com associação de palavras, onde ele constatou que as pessoas reagem de modo peculiar diante de determinadas palavras estímulo. 

Constituído por um aglomerado de conteúdos afetivos, em forma de pensamentos e ideias que se relacionam entre si, o complexo “é a imagem de uma determinada situação psíquica de forte carga emocional e, além disso, incompatível com as disposições ou atitude habitual da consciência”. 

Considerado uma forma de personalidade parcial, com relativo grau de autonomia, o complexo também está relacionado à sombra, o aspecto obscuro de cada um de nós. Por isso ele é capaz de interferir na consciência e provocar reações emocionais que fazem o ego perder sua orientação habitual. 

Uma de suas características é o seu caráter compulsivo e irrefletido, ou seja, quando constelado na consciência o indivíduo perde o controle da situação, sendo então tomado por pensamentos e atitudes de acentuada tonalidade afetiva que se impõem sobre sua vontade, interferindo em sua capacidade de reflexão e decisão. 

É o que acontece, por exemplo, quando uma pessoa com complexo de rejeição sente que não estão lhe dando a devida atenção. Mesmo que isso não corresponda ao fato em si, ela assim o interpreta, e reage, inclusive através de sintomas físicos, como choro ou mal estar, por ter sido desprezada injustamente. 


O complexo pode ser formado através de uma situação traumática, principalmente quando ocorrida na infância, ou ao longo de uma sucessão de eventos correspondentes que levam o indivíduo a formar, inconscientemente, uma ideia coesa a partir das experiências vividas. Essa ideia irá interferir na consciência sempre que o contexto assim o permitir, fazendo o indivíduo agir de forma peculiar e emocionalmente intensa. 

Nesses casos o ego sofre algo como um lapso momentâneo, que os primitivos chamariam de possessão. É quando o complexo assume então a direção, levando o indivíduo a agir de forma descontrolada e desproporcional ao que seria considerado sensato em dada situação (Jung dizia que não somos nós que temos o complexo, ao contrário, ele é que nos têm). 

Após a ocorrência, o complexo retorna ao inconsciente e o indivíduo volta a se recompor, sem, no entanto, encontrar uma explicação satisfatória para o que aconteceu. Muito provavelmente o complexo voltará a se constelar sempre que um fato similar ocorrer. Esses acontecimentos são inerentes à vida psíquica do ser humano, que está sujeito a todo tipo de complexo, com graus variados de intensidade e morbidade. 

Porém, a situação se agrava quando há uma identificação permanente com essa personalidade parcial, ou seja, o indivíduo não age desta ou daquela forma em determinadas situações, mas praticamente o tempo todo, sem uma clara consciência de suas motivações. 

Quando isso ocorre, o resultado é a inflação do ego, devido à identificação com o conteúdo constelado. 

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“Nunca saberás o que é suficiente enquanto não souberes o que é mais que suficiente.” William Black

Aplicada ao complexo de poder, essa identificação faz com que o indivíduo busque subordinar tudo ao seu ego, pensando sempre em benefício próprio. Ele se sente o poder em pessoa, e age dessa maneira em relação a tudo e a todos. 

Esse complexo, pelas suas próprias características,é alimentado pela visão de mundo do homem moderno, que ao atribuir uma importância cada vez maior ao ego, busca no materialismo e consumismo uma forma de satisfazê-lo em seus anseios de prazer. O resultado acaba sendo o individualismo e o narcisismo, um reflexo dos desejos inflados desse ego onipotente. Continua... 

US AND THEM 
Nós e Eles 


"Nós e eles
E afinal somos todos homens comuns"
A música Us and Them foi composta inicialmente como uma peça instrumental para a trilha sonora do filme Zabriskie Point (1970), de Michelangelo Antonioni, trazendo desde o início a ideia de violência, conforme mostra o seu título original, The Violent Sequence. 

Em The Dark Side of the Moon foi adicionada a letra, uma escrita poética que manteve a mesma temática da composição original. Nessa ocasião também foi mudado o nome da música, que passou a se chamar Us and Them, título que contém elementos que de algum modo estão igualmente relacionados ao tema da violência. Assim, a expressão “nós e eles” refere -se às divisões entre as pessoas, países e culturas, e que acabam levando à discriminação, preconceitos, conflitos, e por fim, às guerras, a mais vil e brutal das formas de violência. 

Além disso, os termos “nós” e “eles”também pressupõem a ausência do “eu”, enquanto entidade distinta dotada de singularidade e valor intrínseco, muito diferente do “eu” egocêntrico e massificado, um simulacro do que seria a verdadeira individualidade. Esse é o eu alienado, internamente dividido e sempre pronto a irromper com os mais insanos atos de violência, justamente por não se reconhecer com um ser autêntico e indivisível, ou seja, um indivíduo. 

A ideia de indivíduo como uma entidade psíquica dotada de um mundo interior e subjetividade própria, é algo relativamente recente na história humana, isso porque a identidade, há não muito tempo atrás, era algo essencialmente grupal e coletiva (foi a partir da Renascença que surgiu a ideia de indivíduo, como o entendemos hoje). 

Como ainda não havia a consciência da individualidade propriamente dita, pensava-se e agia-se em função do grupo e da coletividade. 

Hoje, mesmo sendo capaz de se reconhecer como um ser distinto, dotado de subjetividade e singularidade, o indivíduo muitas vezes é levado a agir com a suposição de que é igual ao seu próximo, não muito diferente do que faziam seus remotos antepassados quando reunidos em torno de um totem ou em formações tribais. 

Isso ocorre à medida que a consciência grupal, ou o “nós”, como diz a música, se impõe sobre o indivíduo, entidade que vem mantendo com a sociedade uma relação cada vez mais complexa, a ponto de formar uma antinomia que nos permite considerá-los como pólos opostos entre si. 

Como o convívio nem sempre foi harmonioso entre esses opostos, cujos interesses são mutuamente conflitantes, Jung privilegiou o indivíduo na trama social (esta sua posição fez com que fosse acusado de construir uma psicologia individualista e destituída de compromisso social, o que é obviamente um engano cometido por quem desconhece o significado da individuação, que visa justamente integrar, de forma dinâmica e construtiva, o coletivo e o individual, daí o fato de ser um processo que ocorre no contato com o outro e com o mundo, e não um exercício solitário de iluminação e graça, como ele mesmo demonstrou em sua visita a Índia, onde não procurou encontrar os grandes mestres espirituais, e sim pessoas comuns, compromissadas com o trabalho e a família, mas nem por isso menos ligadas ao Self). 

No entanto, mesmo tendo privilegiado o indivíduo, segundo ele o verdadeiro portador do espírito da vida, jamais dirimiu a importância e o papel da sociedade na vida deste. 

A sua crítica quanto ao predomínio do social em relação ao individual foi devido ao reducionismo conferido pela visão estatística do ser humano, que se fundamenta na anulação daquilo que cada um tem de único e pessoal em favor de generalizações que reduzem o indivíduo a números e cifras, quando não,a diagnósticos psiquiátricos. 

Segundo ele: 

“Sob a influência dos pressupostos científicos, tanto a psique como o homem individual, e na verdade qualquer acontecimento singular, sofre um nivelamento e um processo de deformação que distorce a imagem da realidade e a transforma em média ideal”. 


A visão estatística, com sua validade geral, é incapaz de abarcar a realidade empírica do indivíduo em sua existência unívoca e real, pois, enquanto portador do espírito da vida, o indivíduo se opõe ao homem ideal, construído a partir de uma concepção abstrata, que ao visar à média, exclui as diferenças e enaltece o que é comum, ou seja, a normalidade. 

Como é do interesse social a hegemonia do coletivo, a individualidade foi reprimida, e o indivíduo submerso na massa como uma unidade anônima, destituído de suas virtudes e de seu potencial criativo. 

Esse fenômeno é particularmente notável no mundo massificado dos dias de hoje, onde o indivíduo pode ser considerado uma espécie em extinção. 

Sendo uma exceção a toda regra estatística, cujo afã científico é o de nivelar e igualar, cada pessoa deveria ser compreendida em sua alteridade e singularidade, ao contrário do que ocorre na massificação, que impede as relações humanas genuínas, promovendo o isolamento e a privação da subjetividade. 

Desse modo, 

“é inevitável que todo elemento individual seja encostado na parede. Tal processo se inicia na escola, continua na universidade e é dominante em todos os setores dirigidos pelo Estado”


Alienado de si mesmo, o indivíduo acaba sucumbindo à mentalidade coletiva. 

Assim: 

“O que muitos acreditam deve ser verdadeiro, o que muitos almejam deve ser digno de luta, necessário, e, portanto, bom”. 

Qualquer tentativa em direção contrária pode ser enquadrada como egoísmo, soberba do espírito ou mesmo subversão. Foi por isso que, como nos lembra André Breton, “prenderam Sade; prenderam Nietzsche; prenderam Baudelaire”. 

Nesse caso, para nossa segurança e comodidade, é mais fácil ser parte do rebanho, onde somos todos apenas homens comuns. 


"Eu e você
Deus sabe que não é isso que teríamos escolhido para fazer" 
Quando a individualidade é violada, perde-se o seu caráter ímpar e singular para uma massa que funciona como um ser autômato, incapaz de ter consciência e de decidir de forma ética e responsável. 

Com seu inegável poder de contágio, a massa não só anula a individualidade, como forma um amontoado de seres inconscientes e despersonalizados,que sucumbem a valores, interesses e ideais que lhe são impostos de fora. 

Destituído do senso de responsabilidade e discernimento, e tendo seu valor e importância diminuídos em razão inversa ao tamanho da massa, o indivíduo subordina-se então a interesses alheios àsua vontade. 

Isso o torna influenciável e suscetível de ser tomado por instintos de crueldade e violência, pois o rebaixamento do nível da consciência, enquanto vontade e capacidade de reflexão e decisão, potencializa o que é primitivo e inconsciente. 

Nessas condições, além de evocar os mais funestos instintos, a massa favorece também a constelação de arquétipos que serão projetados na figura de um líder ou ideal, cujo fascínio e força de atração levarão o indivíduo a agir de tal forma que ele próprio, em seu juízo normal, jamais o faria (o fenômeno das massas tem se mostrado um campo fértil para a manifestação de arquétipos em personalidades que se tornam portadoras de um poder quase que hipnótico sobre o indivíduo). 

Por isso, com a eclosão das forças coletivas dá-se uma surpreendente modificação no caráter da pessoa, que deixa de ser afável e sensata, para se transformar numa fera violenta e furiosa. 

O rompimento dos limites morais do indivíduo faz com que ele seja literalmente contaminado e guiado por forças obscuras, que encobrem fraquezas e inferioridades que ele desconhece em si mesmo. 

Como o estranho e o desconhecido são sempre atribuídos ao outro, este torna-se uma ameaça que precisa ser combatida. E assim o indivíduo trava batalhas que apenas refletem, em escala maior, um conflito que deveria ser travado consigo próprio, no plano da individuação. 

Eis o quanto é grande o risco quando esses indivíduos, impotentes e inferiores, se aglomeram em formações de massa, pois, ainda que formada por pessoas admiráveis, a massa revela “a inteligência e a moralidade de um animal pesado, estúpido e predisposto a violência”. 

Portanto:

“Quando o inconsciente coletivo se torna verdadeiramente constelado em grandes grupos sociais, a consequência será uma quebra pública, uma epidemia mental que pode conduzir a revoluções, guerras ou coisa semelhante”. 

Mesmo que não seja isso o que teríamos escolhido para fazer. 


"Com, sem
E quem vai negar que esta é a razão toda briga"
A expressão “com, sem” aponta uma das razões dos conflitos humanos, sintomas da dissociação psíquica que afeta o homem moderno, tanto em termos coletivos,quanto individuais, a começar pela cisão entre fé e saber, uma das raízes da perturbação espiritual de nossa época. 

Como diz Jung:

“Não podemos negar que nossa época é um tempo de dissociação e doença. As condições políticas e sociais, a fragmentação religiosa e filosófica, a arte e a psicologia moderna, tudo dá a entender a mesma coisa”. 
A divisão do mundo, como ocorreu recentemente entre capitalismo e comunismo, e que parece caminhar agora para outras formas de divisão, de caráter talvez mais religioso do que político, reflete a divisão neurótica vivenciada individual e coletivamente. 

Nesse sentido, 

“todas as tentativas, até agora, revelaram-se singularmente ineficientes e assim hão de permanecer enquanto estivermos tentando nos convencer – a nós e ao mundo - de que apenas eles (nossos oponentes) é que estão errados. Seria bem melhor fazermos um esforço para reconhecermos nossa própria sombra e sua nefasta atividade”. 

Portanto, se a humanidade pudesse ser comparada a um único indivíduo, seria uma pessoa dividida, inconsciente do conflito consigo mesma, mas ávida em se impor com a certeza dos que estão sempre com a razão, o que justificaria brigas e guerras com aqueles que não as têm. Como diz a música: com, sem. 


Tal dissociação consiste no fato de uma mão não saber o que a outra faz, evitando a própria sombra e projetando no outro tudo o que há de culpado, obscuro e inferior. 

É o que acontece no seguinte exemplo dado por Jung: “Uma pessoa enxerga seus lados sombrios, seu plano inclinado, mas desvia deles os olhos, foge, não se confronta, não entra em si, não tenta nada e vangloria-se então diante de Deus, de si mesmo e das outras pessoas, de sua túnica que permanece branca e imaculada, mas o que, na verdade deve-se a sua covardia, regressão, angelitude e perfeccionismo. E, ao invés de envergonhar-se, posta-se bem na frente, no templo, e diz: ‘eu te dou graças por não ser como aquele ali’”. 

É o sentimento velado de inferioridade que faz supor que inferiores são os outros, constatação essa que justificaria todo tipo de agressão a fim de se preservar uma pretensa superioridade, sempre identificada com a consciência do ego, ou com algum ideal coletivo a ser defendido. 

É por isso que se exige do indivíduo, através do confronto com a própria sombra,a tarefa sempre difícil de admitir e reconhecer o seu poder e disposição para o mal,pois é preciso que ele aprenda a não mais recusar em si aquilo que atribui ao outro, fonte de ameaça, repulsa e razão de toda briga.

BRAIN DAMAGE
Dano Cerebral



Brain Damage, como o próprio título indica, trata a questão da loucura, que na terminologia psiquiátrica recebe o nome de psicose, ou esquizofrenia. Esta psicopatologia, o retrato clássico do que seria o genuíno transtorno mental, viria a ser diagnosticada em Syd Barrett, antigo membro do Pink Floyd que se tornou, ainda em vida, uma figura lendária pelo seu talento e excentricidade (há inúmeros relatos, no mínimo curiosos, de situações onde ele agiu de forma nitidamente perturbada e imprevisível, mas sem jamais perder o furor de sua chama criativa, algo consentido pelo julgamento da história somente aos gênios). 

Confirmando que este será o tema da música, Brain Damage evoca em seus versos iniciais uma figura comumente associada à loucura, o lunático. 
"O lunático está na grama
O lunático está na grama"
Neste sentido, o lunático é aquele indivíduo que sucumbiu aos poderes ocultos do inconsciente, simbolicamente representado pela lua, pois a lua 

“é a experiência mutável da noite (...). A lua é perturbadora do sono; e é também um receptáculo das almas separadas, pois os mortos voltam de noite, durante os sonhos, e os fantasmas do passado aparecem terrificantes durante a insônia. Assim, a lua significa também a loucura”. 

Mas o fato dele estar na grama, em contato com a natureza, dá outro colorido à cena, permitindo que o lunático seja associado à figura do louco no tarô, que nas cartas aparece sempre acompanhado de um cachorro, uma imagem simbólica da vida instintiva e irracional que o segue de perto. Esse aspecto da vida, pouco suscetível aos arbítrios da razão, também pode ser representado através de elementos da natureza, como a grama ou a vegetação. Isso significa que o lunático está em situação análoga a esta figura, o arquétipo do trickster, a outra face do herói,que nos contos e lendas aparece como o bufão ou o tolo que desperta risos,estranheza, ou mesmo um secreto fascínio. 

A figura do louco no Tarô: 
o arquétipo do trickster 

Assim, o início da música faz referência à vida instintiva, enquanto natureza primitiva e,portanto,inconsciente, que desconhece os limites impostos pela razão em favor da ordem e da lei, ambas racional e moralmente estabelecidas. 

Enquanto está na grama, simbolicamente o lugar proibido em que o homem dito civilizado há muito deixou de pisar, cenas do passado vêm à tona, pois esse é o lugar dos sonhos e devaneios. 

Ali, o lunático revive algumas de suas lembranças, como mostra o próximo verso. 
"Relembrando jogos, colares de margarida e sorrisos" 
Tais lembranças, “fragmentos de vidro colorido num caleidoscópio”, põem em evidência cenas oriundas do inconsciente, onde o lunático parece penetrar de forma cada vez mais profunda. 

Isso ocorre à medida que a libido recua para o mundo interno do sujeito por não encontrar formas adequadas de expressão no mundo exterior, ou seja, a inadaptação em relação às demandas da realidade externa desencadeia o movimento de regressão da libido, que deste modo retorna ao inconsciente. 

A permanência nesse estado provoca o distanciamento cada vez maior do mundo e a possibilidade de se permanecer definitivamente afastado dele. É quando as fantasias, devaneios ou lembranças passam a dominar o quadro psíquico. 

Neste caso, se a introversão da libido não for compensada por tentativas de adaptação ao mundo exterior, o sentido de realidade se altera. O ego poderá então ser invadido e dominado pelo inconsciente, levando o sonho a assumir o lugar da realidade. 

Segundo Jung:

“A psicopatologia conhece um distúrbio mental em que os doentes se fecham cada vez mais contra a realidade e submergem em sua fantasia, e à medida que a realidade perde sua influência, o mundo interior aumenta em força determinadora”. 

Essa psicopatologia é a esquizofrenia, transtorno mental que se caracteriza pelo predomínio de conteúdos inconscientes sobre a consciência, afetando os processos de pensamento, emoção e linguagem. Tais conteúdos, que se manifestam em forma de alucinação e delírio, interferindo na capacidade adaptativa do ego, não têm qualquer correspondência com a vida pregressa do indivíduo, ou seja, sua origem não se deve à repressão de conteúdos anteriormente relacionados à consciência, embora possa haver alguma relação com o passado individual, conforme se verá a seguir. Sua origem remonta aos confins do inconsciente coletivo, o substrato mais profundo da psique, fonte das experiências primordiais da humanidade, e por isso são estranhos e dificilmente assimiláveis pelo ego, assumindo formas míticas, arcaicas,e não raro, com uma perturbadora beleza poética.


Em Brain Damage, as lembranças reanimadas pela regressão da libido, ou seja, os jogos, colares de margarida e sorrisos, referem-se a fatos relacionados à vida pessoal de Syd Barrett, mesclados a elementos míticos, algo bastante comum nos transtornos psicóticos. 

Nesse sentido, os jogos recordados pelo lunático provavelmente são uma alusão à música See Emily Play, originalmente intitulada “Games for May”, eque tem em seu refrão o verso “jogos livres para Maio”(esta música teria sido inspirada em uma visão de Syd Barrett, quando, ao caminhar pela floresta, avistou uma garotinha entre as árvores, era Emily) . 
“Você perderá a cabeça e brincará
Jogos livres para Maio
Veja Emily brincar”
Não é difícil pensar em Emily, a flutuar num rio para sempre, como dirá a música, como uma imagem arquetípica da eterna criança, ou seja, aquele ser que permanece no estado infantil, identificado com o inconsciente e incapaz de atender às exigências da vida adulta, uma vez que vive a fantasia e o sonho, privando-se assim da realidade. 

Quanto a isso, vale ressaltar que as músicas de Syd Barrett, principalmente aquelas compostas para o disco de estréia do Pink Floyd, apresentavam um caráter estranhamente pueril, a começar pelo próprio título do disco, The Piper at The Gates of Dawn, extraído de um antigo livro de história infantil (The Piper at the Gates of Dawné o nome de um capítulo do livro Wind in the Willows, de Kenneth Grahame, publicado na Inglaterra em 1908). Este disco, que ainda hoje comove pelo seu lirismo e ingenuidade mórbida, possui uma atmosfera feérica, cheia de seres oníricos e surreais, como reis, gnomos e outros tantos que poderiam figurar em qualquer livro de contos de fada ou sonho infantil. 

Emily seria então um desses seres que povoavam a mente extravagante de Syd Barrett, e com a qual ele teria se identificado a ponto de perder o sentido da realidade, ou seja, o seu colapso mental seria fruto da identificação do seu ego com o arquétipo da eterna criança, que em Brain Damage aparece indiretamente na referência aos jogos que são recordados pelo lunático, os jogos livres para maio. 

As recordações do lunático também trazem à tona os colares de margarida, uma possível referência ao espírito flower power* que marcou a psicodelia dos anos 60, quando movimentos em favor da paz e da liberdade se valeram dos ideais da contra-cultura para difundir o uso de substâncias alucinógenas, como o LSD, e outras menos comum, como a mescalina, cujos efeitos provocam profundas alterações na consciência, acompanhadas de uma sensibilidade muito maior ao inconsciente (o uso excessivo do LSD, associado a outras drogas, teria sido um dos fatores agravantes para o colapso mental de Syd Barrett). 

Além dessa referência à psicodelia, os colares de margarida também evocam a deusa Deméter, associada ao mundo matriarcal e a tudo o que se relaciona com o feminino, como a terra e a vegetação. 


Cultuada como deusa da agricultura e da fertilidade, Deméter também representa o arquétipo da mãe. Seus sacerdotes eram conhecidos como filhos da lua, e em sua homenagem as pessoas andavam descalças, usando guirlandas de flores, uma forma de estar em contato com a deusa (nota-se uma incrível semelhança entre o estilo de vida dos hippies, pés descalços e flores na cabeça, e a reverência a deusa Deméter). 

Assim, no contexto da música, os colares de margarida mostram o lunático como um filho da lua caminhando sobre a relva, suscetível aos poderes do inconsciente, como acontece com as pessoas sob efeito de substâncias alucinógenas, pois, nestes casos, é comum a semelhança entre os delírios psicóticos e as alucinações provocadas por tais substâncias (vide a experiência mística de Castaneda, citada anteriormente). 

A cadeia de recordações do lunático são como

“cacos de fantasias lendárias que se desprenderam da dura realidade para fundar um reino autônomo e distante do mundo, onde as mesas estão sempre postas e comemora-se, em palácios de ouro, inúmeras festas”.

Tais recordações encerram-se com os risos (laughs), uma provável referência a The Madcap Laughs, disco solo de Syd Barrett, lançado após sua saída do Pink Floyd, onde o louco que ri, obviamente, é ele próprio (podemos pensar aqui na figura do trickster a caminhar sorrindo pela relva).

Como se pode observar, as recordações do lunático são imagens compostas de lembranças relacionadas à sua vida pessoal, associadas a elementos mitológicos, como a imagem arquetípica da eterna criança e a apologia a deusa Deméter, que em seus mistérios era evocada em meio a vinhos, farta refeição e muitas piadas, uma forma ritual de favorecer a fertilização da terra, sempre num clima festivo onde não faltavam risos e anedotas.

A permanência no estado infantil torna o mundo um lugar de sonhos e devaneios, como aconteceu com a pequena Emily ao procurar os sonhos emprestados de alguém, uma forma de se refugiar no mundo mágico da imaginação e das fantasias oníricas.
“Emily tenta, mas entende mal frequentemente sente-se inclinada a tomar emprestado os sonhos de alguém até amanhã” 
Privada da realidade, e permanentemente em estado infantil, a criança, que antes representava o aspecto potencialmente transformador da personalidade, passa a representar a regressão e o medo da vida, ou seja, o aspecto negativo do Self. Nesse caso, o indivíduo fatalmente cairá nos braços da deusa lunar Hécate, um aspecto da mãe terrível que guarda as chaves do mundo subterrâneo, representando assim os domínios profundos do inconsciente, onde não há qualquer evidência de luz, a exemplo do que ocorre com a lua nova, através da qual ela é simbolizada.

Esses fatos, apresentados em forma de lembranças e recordações, estão de acordo com a abordagem de Jung sobre a esquizofrenia, que apresenta uma mistura de material pessoal e coletivo, com a predominância dos conteúdos coletivos.

O material ao qual ele se refere são os arquétipos, presentes não só nos delírios psicóticos, mas em tudo aquilo que está relacionado ao espírito humano, como os sonhos, o que permite considerar a esquizofrenia como uma espécie de ‘grande sonho’.

Segundo Jung:

“Ao contrário dos sonhos comuns, esse tipo de sonho é altamente impressionante e numinoso, onde o mundo de imagens se serve frequentemente de motivos idênticos ou semelhantes aos motivos míticos. Chamei essas estruturas de arquétipos porque elas funcionam de maneira muito semelhante aos comportamentos instintivos. Ademais, podem ser encontrados em toda parte e em todas as épocas, no folclore das tribos primitivas, nos mitos gregos, egípcios, no antigo México como também nos sonhos, visões e ideias delirantes dos homens de hoje, que desconhecem essas tradições”.

Esse entendimento, que encontrou uma base comum entre a loucura e tudo aquilo que é ‘humano, demasiadamente humano’, permitiu um novo olhar sobre os transtornos mentais.

Assim:

“A série de acontecimentos aparentemente tão absurdos, as ‘loucuras’, adquire, de repente, um sentido; descobrimos um sentido no sem-sentido, conquistando, assim, uma aproximação mais humana do doente mental”.

Estava quebrado um dos últimos muros que isolava o indivíduo mentalmente enfermo de seus semelhantes, embora o racionalismo lógico e materialista não concorde nem um pouco com isso, como se verá logo a seguir.*
"É preciso manter os doidos na linha"
Aqui torna-se evidente a imposição da censura e dominação que pretende afastar aquilo que se mostra estranho e alheio à ordem estabelecida. Para isso recorre-se ao mais conhecido dos artifícios, a reclusão e o isolamento social, que tem o respaldo científico para proceder com os devidos ajustes sobre a mente e a moral dos loucos. Esse é o meio de restituí-los à vida social e comunitária, uma forma de colocar “os doidos na linha”.

No entanto, como disse Erasmo de Rotterdam, autor do célebre Elogio da Loucura, “tudo o que fazem os homens está cheio de loucura. São loucos tratando com loucos”.


Essa afirmação contraria a expectativa do homem ocidental, supostamente a mais bem-aventurada das criaturas, que acreditava ter exorcizado as trevas e afastado com o seu racionalismo tudo o que havia de mais primitivo e irracional no ser humano.

Assim, o verso seguinte irá mostrar que o lunático, ao contrário de se manter isolado, começa a compartilhar um espaço em comum, deixando de ser aquele que é visto e mantido à distância, para estabelecer uma relação de proximidade com quem está àsua volta.

Como os “ilustres iniciados nos mistérios da Loucura”, que bebem e sentem o sabor da alegria, ele sabe que “quase todos os homens são loucos (...).Não há quem não faça suas loucuras e, a esse respeito, por conseguinte, todos se assemelham”.

Essa semelhança, fundamento de toda amizade, segundo o autor, será o mote para o encontro no saguão, o que ocorrerá na sequência da música.
"Os lunáticos estão no meu saguão"
Contrariando as pretensões do homem civilizado de “manter os doidos na linha”, colocando-os no caminho, o lunático se desdobrou em várias figuras pelo saguão, ou seja, a loucura se multiplicou. Isso corrobora com a ideia de que ela está deixando de ser algo incomum para afetar um número cada vez maior de pessoas, como mostra mas palavras ingênuas, mas de uma inegável sabedoria e intuição, dirigidas à Jung por um índio pueblo: 


“Não conseguimos entender os brancos. Sempre estão querendo alguma coisa e sempre estão inquietos, procurando não sei o quê. O que será que estão procurando? Nós não sabemos. Não conseguimos mesmo entendê-los (...). Achamos que são todos malucos”.

Nesse sentido, o saguão que reúne os lunáticos é também uma metáfora da própria modernidade, o lugar onde se dá o encontro entre as mais variadas formas de loucura, como disse Artaud:*

“E assim é que a vida atual, por mais delirante que possa parecer esta afirmação, mantém sua velha atmosfera de depravação, anarquia, desordem,delírio, perturbação, loucura crônica, inércia burguesa, anomalia psíquica (pois não é o homem, mas sim o mundo que se tornou anormal)”.

Tanto as palavras empoeiradas do velho índio, quanto o tom maldito da poesia de Artaud, referem-se àmesma coisa, ou seja, a insânia que pesa sobre os homens e o mundo, tamanho é a fugacidade e engodo de tudo aquilo que o cerca.*

*Antonin Artaud (1896-1948), poeta marginalizado, ator e dramaturgo com

longo histórico de internamentos psiquiátricos, precursor da chamada arte bruta,nos deixou como legado uma vasta obra que reflete em toda sua extensão a perturbação e os dramas de um artista que escandalizou a sociedade com sua genialidade e inspiração visionária.

ECLIPSE


"Tudo o que você faz
Tudo o que você fala"
Ética e consciência

As ações humanas, ou “tudo o que você faz”, não ocorrem de forma isolada ou como simples reações a estímulos externos, mas devem-se a um conjunto de fatores reunidos sob o termo atitude.

Apesar de sujeita às influências do inconsciente, ocasião em que se desconhece as motivações por trás deste ou daquele ato, a atitude está essencialmente relacionada às escolhas e decisões conscientes que o indivíduo tem que tomar ao longo da vida. Essa é uma característica inerente à consciência, da qual não há como se furtar.

Assim, o verso “tudo que você faz” pode estar relacionado à consciência moral, enquanto conjunto de valores e códigos de conduta, que se impõem ao ego com força de lei e dever imprescritível, refletindo-se em “tudo o que você fala”.

Ocorre, porém, que os conflitos morais e os choques de dever são necessários ao desenvolvimento da consciência, pois são eles que fazem o indivíduo perder a segurança ingênua nos valores e juízos correntes. Essa é a finalidade do mito do herói, como se viu em Time, quando o indivíduo deixou sua terra natal.

Por isso Jung dizia que aquele que se submete à lei desde o início, de acordo com aquilo que sempre se espera, sem jamais deixar sua morada, age como o homem da parábola que enterrou o seu talento na terra. Voltando ao mito, é como se o caminho não fosse percorrido, e o chamado, não atendido.

As atitudes humanas têm implicações éticas que abrem perspectivas para outras possibilidades muito além do horizonte moral,que se volta ao aspecto exterior da situação, enquanto que a ética toca o ser mais profundo nela envolvido,“porque só ela e o Onisciente vêem a situação concreta pelo lado de dentro, ao passo que os julgadores e condenadores só a vêem do lado de fora”.

Isso quer dizer que há ocasiões em que a atitude adotada, apesar de moralmente indesejável, pode ser eticamente necessária.

Nesse caso, a fala, enquanto expressão da práxis, deixa de ser um ato reflexo, reprodutor da moral dominante, para ganhar corpo n a “batalha de palavras”, onde o indivíduo torna-se um agente de transformação, produzindo um movimento dialético entre ele e o meio social, experiência mutuamente transformadora.

Para isso, deve-se aprender a ouvir aquilo que Jung chamou de voz interior, uma forma de falar e dialogar consigo próprio, em favor da ética enquanto ato criativo subjetivo, sem a qual não haverá desenvolvimento da personalidade,nem atitudes que levem à ampliação da consciência.

Como diz o Provérbio de Blake:

“Aquele que deseja e não age engendra a peste”.

william_blake_by_thomas_phillips

A tensão entre os opostos é o que nos faz ser como somos. Não somos apenas uma coisa, mas o oposto dela também, misturando, se chocando e faiscando dentro de nós. Não apenas luz, mas escuridão. Não só paz, mas guerra. Não só inocência, mas conhecimento. – Ele descansou o olhar um instante na margarida que Maisie ainda segurava. – É uma lição que precisamos aprender: ver o mundo todo numa flor…

– Não desenho pessoas reais –  entre realidade e ilusão. Julga que são opostos, não?

– Para mim, são uma coisa só. …. [p. 115-116]


  • Detalhes técnicos do livro:

A imagem da capa é uma adaptação da obra  ('The Ancient of Days'); 1794, by William Blake (1757-1827). The Bridgeman Art Library, New York, USA. Credit: Europe a Prophecy;God Creating the Universe 

File:Blake ancient of days.jpg

As letras das músicas citadas neste livro são uma tradução livre do autor, e sua finalidade é apenas paraf ins de pesquisa.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Yabushita, F. Massao

A outra face de the dark side of the moon : uma interpretação junguiana da obra-prima do Pink Floyd / F. Massao Yabushita. - Guaíra, PR :

Ed. do Autor, 2011.

1. Jung, Carl Gustav, 1875-1961 2. Música -História 3. Música -Psicologi
a 4. Pink Floyd (Grupo musical). Dark side of the moon -Crítica e interpretação 5. Psicologia junguiana I. Título. 11-09407 CDD-780.19

Índices para catálogo sistemático:

1. Pink Floyd : Interpretação junguiana :
Música : Apreciação crítica 780.19
ISBN978-85-912600-0-3

*O material do livro aqui exposto, se encontra disponível no site do autor, que gentilmente disponibilizou em PDF seu acesso. Portanto com grande satisfação, os devidos agradecimentos e também meus sinceros elogios a grandeza da obra do Sr. Yabushita. Muito obrigado.

5 comentários:

  1. Agradeço ao site ThinkFloyd61 pela postagem do meu livro e pelas palavras elogiosas que lhe foram dirigidas.
    O livro, que teve uma primeira edição independente, foi recém-lançado pela Editora Dracaena.
    Abs
    F. Massao Yabushita

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  2. Muito bom o texto, certamente irei procurar o livro.
    Isso abriu um leque de ideias do que está por trás dessa obra que mesmo falando de assuntos tão abrangentes, sempre são vistos de forma ingenua por nós, meros ouvintes.

    ResponderExcluir
  3. Cara ... Você conseguiu unir os dois meus maiores fãs ... Não acreditei no que vi, tava procurado um trecho de Jung para postar e dei de cara com seu Blog, quando me deparei com sua análise de Dark Side com Jung foi brilhante, pois eu nunca achei Pink Floyd depressivo como tentam relacionar ... Conseguiram musicar a vida como ela é, sem meios termos, angústias, medos, revoltas, amores, dores ... enfim !!. O sentimento humano sem máscaras ou fantasias, escancaradas ... E isso que incomoda certas pessoas ... Bárbaro ... Nós mantenhamos contato !!!..
    Grato ...
    Oduvaldo Franco
    Araçatuba/SP

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  4. o pensamento refletido em "us and then" estabelece uma relação bastante significativa com a música "shine on you crazy diamond" e principalmente com o video inserido no telão do dvd "PULSE".

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  5. interessante a ligação do pensamento sobre "us and them" com a letra e o video de "shine on you crazy diamond", transmitido no telão das apresentações da turnê do "the division bell".

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