Para quem possui conta no Netflix, a boa notícia é que desde 08/06/2017 o documentário está disponível
Concluída a turnê “The Wall Live”, Roger Waters juntou-se a Sean Evans para roteirizar e dirigir “Roger Waters The Wall”, lançado em 2014. O resultado é um documentário no qual, para citar uma das falas de Waters no filme, tanto a música quanto a narrativa questionam o “apego a dogmas que se revela em ação política que mata pessoas”.
O documentário explora e expande a imagem do “outro tijolo no muro”, trecho do refrão de “Another Brick in the Wall”. O trabalho de edição faz com que essa metáfora ganhe diferentes significados no filme. Assim, ela pode ser lida tanto como imagem da busca de proteção (ainda que limitadora) em momentos de angústia e desespero, como em “Mother”, quanto como representação da perigosa ilusão de proteção que é prometida pelo discurso reacionário do fortalecimento de fronteiras. Todos esses sentidos o filme se encarrega de expor para contestar crítica e sistematicamente.
No documentário, gravações do show “The Wall Live” alternam-se com cenas de Waters no Maroeuil British Cemetery e no Cassino War Cemetery, onde jazem ex-combatentes das duas guerras mundiais. Essas cenas também funcionam como desdobramento da metáfora central de “Roger Waters The Wall”. Vistos à distância, os nomes dos soldados nas lápides são inidentificáveis, de modo que acabam mesmo despersonificados e esquecidos. Com isso, reforça-se a afirmação de Waters no filme de que “a memória humana é um dispositivo falível”, sujeita que é à ação apagadora do tempo e dos macrointeresses. Diante dessa constatação, o documentário também pode ser lido como um alerta contra os riscos das inanidades da lembrança que asseguram a barbárie.
O filme ainda articula música e narrativa por meio do uso da citação literária. Diante do túmulo do seu avô, por exemplo, Waters lê o seguinte trecho de um livro de Gabriel Chevallier: “é um erro achar que tais líderes de guerra ou, atualmente, estrategistas econômicos, são impiedosos. Eles são abjetos”. Em outro momento, lemos projeções de trechos de “O Processo”, de Franz Kafka, e “1984”, de George Orwell enquanto ouvimos “Run Like Hell”. Esses excertos enfatizam o ambiente apreensivo da canção, cuja letra trata do medo gerado pela sensação de monitoramento e de perseguição que também aparece nesses romances.
A maneira como “Roger Waters The Wall” é construído faz as músicas do álbum de 1979 dialogarem com temas que ainda nos assombram no século 21. O documentário toca no modo como disputas por poder são engendradas e travadas à custa da miséria da massa de anônimos desapossados de representatividade. Com isso, expõe a perversidade das cisões por trás dos conflitos de interesse que desembocam em carnificina. Pensando na música de Waters, nas suas posturas ao longo da carreira e nos desagrados contemporâneos, cabe perguntar, citando um dos versos de “In the Flesh”: “não é isso que você esperava ver?”
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