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23/05/2018

Roger Waters em Lisboa – Concerto digno de um deus do Rock (Lisboa)




Pouco depois da festa no Jamor propiciada pela final da Taça de Portugal, houve festa na Altice Arena com Roger Waters a dar um concerto… não, um espetáculo de 3 horas em que se juntaram uma excelente qualidade musical, uma experiência visual grandiosa e algumas mensagens políticas poderosíssimas.

Foi um evento maravilhoso aquele com que Roger Waters nos brindou na primeira de duas atuações que veio protagonizar em Lisboa. A expetativa era grande, a afluência foi enorme e o espetáculo foi maior ainda, indo muito para além da música (que já por si é ótima) e deixando a sua marca pela forte posição de oposição a muitos dos atuais líderes políticos, usando para tal uma panóplia de recursos visuais e materiais que elevaram por completo a escala de todo o concerto.

No fundo, foram 3 tipos de performances congeminadas numa só espantosa prestação, mas que eu irei agora separar para mais facilmente percebermos como tudo se conjugou num resultado final épico, digno de um “deus do Rock” como é o ex-baixista dos Pink Floyd

O espetáculo visual:

Grandioso. Impactante. Transcendente. Como se a componente auditiva de tudo o que se relaciona com Pink Floyd ou Roger Waters não fosse suficientemente boa, eis que nos deparamos com o complemento visual perfeito. Toda a performance musical foi sincronizada ao detalhe com vídeos nos ecrãs gigantes da Altice Arena. Não tentando sequer descrever o quão difícil é obter esse nível de precisão ao fazer música, opto antes por tentar falar do efeito que esse suporte visual teve sobre o público. O espectáculo foi dividido em duas partes, com um intervalo de cerca de 20 minutos pelo meio. Na primeira parte, foi como se estivéssemos a assistir a um videoclip incrivelmente longo e hipnotizante. Um videoclip que começa antes da própria música e até da entrada em palco da banda em si. Ainda havia público a movimentar-se para o interior da sala quando as primeiras imagens surgem, revelando uma mulher sentada nas dunas de uma praia, balançando-se muito levemente ao sabor do vento. A imagem torna-se, vários minutos depois, mais vermelha e, com alguma distorção à mistura leva-nos para o espaço e começamos a respirar as primeiras notas do concerto com “Breathe”. Aí começa o filme, com o vídeo a adaptar-se a cada música, cada nota, cada momento. A primeira metade passa-se assim, culminando com “Another Brick in the Wall” num estilo mais teatral com várias crianças em palco, simbolizando e apelando à resistência de todos àquilo que se passa de mal no mundo. E é pegando nesse mote lançado pelo fim da primeira parte que se inicia a segunda, erguendo-se no meio da plateia mais ecrãs que aumentam exponencialmente as potencialidades visuais que Roger Waters nos presenteou. A lógica de um vídeo contínuo permanece a mesma, mas os vídeos multiplicam-se e o seu teor é muito mais crítico e político. A teatralidade continua, com destaque para a as máscaras de porco que Roger e os outros membros envergam antes de “Pigs (three different ones)” e uma nota para o hilariante uso de um porco gigante insuflável que nos desafiava a mantermo-nos humanos. A única coisa que me pergunto em relação a esta impressionante estrutura cénica é se os ecrãs no meio da plateia não terão cortado a visão a alguns dos presentes com menos sorte que eu nos seus lugares.

A posição Política:


Quem o conhece já estaria a espera de uma forte componente política presente na sua atuação. O grande visado foi, previsivelmente, Donald Trump. Fortemente criticado e satirizado durante todo o espetáculo pelo desrespeito que demonstra pela humanidade. Chegou a ver-se, em bom Português, “O Trump é um porco” nos ecrãs. Mas houve mais figuras públicas a serem alvo de duras críticas pelo músico britânico. Entre elas Mark Zuckerberg, devido aos recentes acontecimentos relativos à violação de dados pessoais; e Gina Haspel, nova diretora da CIA que chega ao cargo nomeada por Trump e após ter estado envolvida em operações de tortura e violações dos direitos humanos. Durante o intervalo, passaram nos ecrãs da arena diversas mensagens que alertavam, entre outras coisas, para o crescimento de uma cultura neo-fascista em todo o mundo e para as barbaridades que se passam na Palestina. Acerca deste último ponto, Roger Waters, já perto do fim do concerto, diz que não sentiu necessidade de fazer grandes discursos porque as atrocidades cometidas e publicitadas pela IDF falam por si e terão substancialmente mais impacto na criação de uma cultura de resistência do que quaisquer palavras que o mesmo pudesse proferir. Disso não tenho a certeza, mas sei que aquilo que Roger fez ao longo desta noite de Domingo teve impacto e é de louvar alguém que com 74 anos ainda tenha força para combater o que acha errado e apelar ao não comodismo de todos os seus ouvintes.

A música:

Não foi por acaso que deixei aquilo que deve ser o foco de um concerto para o fim. Primeiro, realçar que notei uma Altice Arena com melhor qualidade de som que o normal (efeito Eurovisão?). Depois, e passando para a qualidade das músicas em si, essa é indiscutivelmente de topo, tanto as mais recentes e resultantes do seu trabalho a solo, como as mais antigas e conhecidas da icónica banda a qual pertenceu. Na primeira metade do concerto é inevitável destacar grandes êxitos dos Pink Floyd como “Wish you were here” ou “Another Brick in the Wall” (que contou com o apoio de dezenas de crianças em palco), mas também “Welcome to the Machine”, cujo suporte visual foi extremamente representativo da grande máquina capitalista que vai atropelando tudo e todos à sua frente. Se nesta primeira metade o cenário audiovisual já tomava grande protagonismo, após o intervalo, com o surgimento dos tais ecrãs no meio da plateia, parece que o espectáculo cénico passou a destacar-se por completo. Dei por mim muitas vezes de lado (e até de costas) para o palco a apreciar o que se passava nos ecrãs e em toda a Altice Arena. Dei por mim a tentar captar todos os detalhes e a interpretar todas as mensagens escritas que me sobrevoavam. Dei por mim e não estava a prestar a devida atenção à maravilhosa música proveniente daquele palco e daqueles prodigiosos intérpretes como Roger Waters e o já bem cotado na cena Indie e Prog Jonathan Wilson – que tão bem fez de David Gilmour durante toda a atuação –, tal como todos os restantes membros da banda que brilhavam cada um à sua maneira (até as cantoras de apoio tiveram o seu momento de solo e impressionaram todo o público). Se há algo que possa ser minimamente apontado de menos positivo a esta noite de domingo é isso: o facto de tanto estímulo visual presente ao mesmo tempo na arena por vezes retirar o foco à música em si (e aos músicos). O foco total e completo no palco viria, novamente, apenas no fim, coincidindo com o recolher dos ecrãs extra, com a apresentação da banda e com o discurso emotivo mas também de apelo à resistência e de sensibilização que Roger nos dirigiu. Ficámos então com “Wait for Her/Oceans Apart/Part of me died” e “Comfortably Numb” em tom de despedida de um espectáculo épico, que eleva a qualidade musical a patamares que não estão ao alcance de todos.

O facto de músicas que foram escritas há 40 anos serem tão atuais é representativo da intemporalidade de Roger Waters e da mensagem que tão alto reivindica. É, por isso, infrutífero tentar concluir a análise a algo que não tem conclusão e que, pelo contrário, nos inspira a todos, Us and Them, a sermos continuamente a Resistência e não ficarmos Confortably Numb com aquilo que nos rodeia.

Setlist (da 1ª noite) 
Speak to me / Breathe 
One of these days 
Time 
Breathe (Reprise) 
The Great Gig in the Sky 
Welcome to the Machine 
Deja vu 
Last refugee 
Picture That 
Wish you Were Here 
Happiest Days / Another Brick in the Wall Pt.2 

INTERVALO 
Dogs 
Pigs (three different ones) 
Money 
Us and Them 
Smell the Roses 
Brain Damage / Eclipse 
Wait for Her / Oceans Apart / Part of Me Died 
Comfortably Numb

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